Zapping

Desporto: Zapping

Modalidade: sentada no sofá

Especialidade: zapping, sentada no sofá, comer

Fazer Zapping é, espantem-se, a actividade desportiva mais praticada em Portugal (continental e ilhas) electrificado! Desengane-se quem pensa que é o futebol! Que seria do futebol sem comando?! Congratulemos, então, Serpa, Alentejo, onde até há pouco não havia electricidade e que se juntou muito recentemente à grande equipa! Sendo uma prática tão instintiva, acredito que acabarão por apanhar o jeito depressa!

Os requisitos necessários para a prática clássica deste desporto são os seguintes: adorar passar o dia a ver televisão, estar equipado de uma barriga avantajada, de um traseiro que seja maior que o lugar individual, um sofá espaçoso de tês lugares - para uma pessoa se poder esticar convenientemente já cansada da exigência física que fazer zapping requer!, uma televisão e, por último mas não menos importante, o testemunho de uma vida sedentária: um comando! Não esquecer as pilhas carregadas, senão a experiência não funciona!

O exercício pode sofrer variações, podendo mudar o local de eleição: na cama, na cozinha, no escritório, numa sala de espera (isto correndo o risco de haver pessoas descontentes ao ponto de vos atirarem com uma revista à cara!), qualquer sítio onde vos seja mais agradável estar. Claro que aqui entra o dilema do dia: “Para onde irei eu praticar os meus dotes dactiloprementes?”. Decisões muito importantes e que terão de ser tomadas em consciência, ciente de todos os factos e possíveis consequências! Isto porque não se pode comparar a logística necessária para se praticar zapping na cama ou praticá-lo no sofá! É toda uma preparação diferente! Não misturemos as coisas!

O campeonato nacional estende-se pelo ano inteiro, todos os dias da semana, a qualquer hora do dia!

O famosíssimo veterano nestas andanças (ou nestas paragens) de comando na mão, que se dá pelo nome de sr. Aníbal, é meu avô!

O senhor meu avô, preparado para a partida (lagarta fugida – como eu dizia…), senta-se no sofá individual, estrategicamente colocado MESMO em frente à televisão, pega nos óculos escuros – diz com toda a convicção que vê melhor a televisão usando óculos escuros, pega nos seus rebuçados de mentol e na sua arma de excelência. O comando.

Qual franco-atirador, aponta milimetricamente ao alvo, a tv, e desata a premir o gatilho, leia-se a carregar no botão! Os canais mudam a uma velocidade tal que as imagens passam em nanossegundos e são vistas como mesclas de figuras e cores, cenas mesmo psicadélicas!

O meu avô é ainda dotado de uma inteligência telepática cujas vítimas são sempre os parceiros. Eu explico: quanto mais interessada estiver a pessoa no canal onde, espantosamente, ele conseguiu permanecer, e mesmo sem mostrando esse interesse, o meu avô sente uma espécie de manifestação incompreensível para nós, vítimas, que o faz mudar de canal rapidamente. O pessoal fica piurso mas não diz nada… O truque está em tentar não se interessar no canal potencialmente interessante, para que o sr. Aníbal não mude de canal!

Como diz o famoso ditado popular: neta de peixe saber fazer zapping! Eu, Lara, posso dizer com orgulho que nasci com um dom. O dom de carregar no botão. Não do botão da campainha - para o qual é preciso ter espírito musical - nem do botão do elevador - para este é preciso ter espírito de porteiro! Mas sim do botão do telecomando, como já ouvi muita gente chamar-lhe… Esta revelação deu-se ainda era eu pequena e é tal a sua força magnética que a partir desse momento nunca mais lhe consegui resistir. É toda uma arte: o modo como seguro no comando, como aponto à televisão, até como bato na parte de trás quando as pilhas não estão a funcionar, a forma como os meus dedos deslizam velozmente pelo comando é arrebatadora! Para alguém que me observe, está claro!, não para quem esteja interessado em ver televisão, o que se torna bastante irritante e pode levar a situações indesejadas!

As frases mais ouvidas ao serão são: “Mas estás quieta com o comando?! Podemos ver a televisão descansados?!” ou “Onde está o comando?! Lara, dá-me o comando!” após sorrateiramente ter conseguido afiambrar-me à coisa!

Estendendo-se o meu conhecimento sobre este objecto complexo às suas várias funções, posso afirmar com veemência que sou uma expert em comandos! A rapidez da descoberta e de integração cognitiva de novos saberes num manuseamento superficial de um novo comando são espantosas! Frequências?! Expertise! Tirar o som das vuvuzelas?! Profissional!

A coisa complica-se sempre que se mistura várias actividades diferentes mas de todo conciliáveis simultaneamente (não tentem isto em casa se não forem profissionais): fazer zapping, comer – com prato, sem prato, com talheres, sem talheres, ler uma revista, mandar sms, estar no facebook, brincar com o cão, entre muitas outras actividades estimulantes!

Uma prática tão inspiradora só poderia motivar o aparecimento de novos desportos! Na minha casa ainda não chegámos à luta livre pelo comando porque seria sempre dois contra um e sairia a perder!

Do Zapping Not War